E me vi nadando entre os golfinhos, livres em águas claras e mornas. Senti a alegria do grupo, o afeto de viver em família. Um zelando pelo outro, um ajudando o outro, um cuidando do outro e compartilhando a vida.
Mas chorei ao ver baleias sendo abatidas manchando de sangue as águas, senti sua dor quando o arpão perfurava e rasgava suas carnes, e ouvi seu lamento de dor ecoando nos mares. E ouvi as criaturas das águas chorando junto até se calarem sem nada poder fazer.
E fui levada a rios que corriam calmos até caírem em véu em lindas cachoeiras, vi a vida em suas margens. Mas também vi rios mortos em imensas línguas negras cortando as cidades.
E me vi na loba solitária em busca dos seus filhotes que se perderam pelo caminho. Eu me vi na loba machucada, sentida pelo partir voluntário de muitos que não compreenderam seus rastros, aos olhos de uns tão confusos, ao julgo de outros... Tão caída.
Pude sentir o afago nos cabelos, dos seres, do vento, os seres do fogo. Os seres das águas, da Fonte Divina, e do Todo. E mais uma vez não contive as lágrimas, mas não chorava apenas por mim, chorava por todos nós, e sentia que esse “todo” chorava também. Mas já não era um choro triste, era um choro de contentamento, afinal chegou a hora. Mas não pude deixar de pensar no tempo. Dormimos por séculos, esquecemos nossa origem para dar lugar ao homem material que sucumbi a devastação do tempo, perdidos na ambição desmedida.
Permitimos que o amor esfriasse, nos distanciamos uns dos outros sem mais nos reconhecermos. Sem esta ligação cada vez ficávamos mais fracos, enquanto o homem material se tornava ilusoriamente mais forte.
De tanto dar as costas ao elo com o Divino, esquecemos com o tempo como reconhecer seus sinais, e na ambição de querer ser deuses nos tornamos apenas homens. Homens que perderam a ligação entre si e a Fonte Creadora, homens que criaram meios sofisticados para comunicar-se entre si, mas desligaram seu eu com o Eu Maior, com seus semelhantes de outras paragens.
O resultado de tais atitudes foi o afastamento, o isolamento entre o povo da Terra e o povo do Céu. E entre si, o distanciamento descomunal nas últimas décadas promovendo uma exclusão social disfarçada, quase oculta.
Ficamos isolados e neste isolamento perdidos, desligados da Fonte. Cortamos todo o contato com aqueles que nossos olhos carnais não podiam ver, mas que o nosso coração podia sentir. Mas o coração era apenas um órgão de bombear sangue para todo o corpo, a ciência proclamou esta como toda e única verdade. E esquecemos que é no coração que se faz a transmutação, que constrói o santuário, que abriga o amor, que faz o milagre.
A Terra, os povos cresceram, mas estão cada vez mais sozinhos apesar de toda a tecnologia de comunicação. Sozinhos atrás das telas dos computadores, sozinhos em suas salas, sozinhos em suas praças, sozinhos em facções e grupos, solitários no isolamento moral e religioso. Pois não há homogenia em seus pensamentos e atitudes, pelo contrário há intolerância e exclusão mesmo entre seu meio, mas que pense, ou seja, diferente.
O diálogo nesta última década foi renegado ainda mais, ficando em segundo plano, dando lugar a força e a violência em escala descomunal nunca vista antes.
Em contrapartida pequenos grupos buscam erguer a bandeira da paz e da luz, mas são abafados pelos gigantes do poder que se agigantam mais promovendo o mal pelos números crescentes na audiência.
Falar de guerra tem mais valia a estes que falar de paz. Mostrar o horror tem mais audiência que mostrar as benfeitorias realizadas por criaturas abnegadas que doam seu tempo em orfanatos, asilos e hospitais no voluntariado.
Enquanto os horrores dos chacais são mostrados vinte e quatro horas aos quatro cantos do planeta, pela globalização da rede, se alastra até nos sonhos através das fixações mentais verdadeiras batalhas de cunho dantesco alargando os sítios neutros onde o homem encontrava momentos de paz, onde sentia suas raízes, e parava para ouvir a canção do cosmo e se revitalizar para seguir a jornada.
Podia ouvir muitas e muitas vozes, podia sentir-me conectada a uma comunhão de sentimentos, onde a condescendência convergia com os princípios divinos.
Mas chegou a hora em que o tempo mostra aceleradamente a passagem, a décima primeira hora anunciada em dias terrenos.
E neste torrencial de sons, sentimentos e imagens, vejo as desconstruções necessárias para evolução da alma e para o planeta que se regenera.
E vejo as dores dos dias dos tempos chegados, vejo o fogo consumindo os campos, a fome aniquilando corpos, os escombros, a degradação moral.
Mas também vejo uma Terra nova, vejo sementes a nascer, vejo campos em flor, vejo um novo sol, vejo uma nova vida.
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